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Cinema
Em Porto Alegre
Uma Década de Atuação da Accirs
07/09/2018
O 46º Festival de Cinema de Gramado, que encerra neste sábado, tem sido a plataforma de lançamento das comemorações de 10 anos da Accirs, Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Não poderia haver ambiente mais propício! Ainda mais porque neste ano a entidade assumiu protagonismo nos debates, o que, sem dúvida, se espera que a crítica cinematográfica provoque.
Além da mediação das discussões sobre os filmes internacionais, nacionais e gaúchos, de curta e longa-metragem, a Accirs promoveu junto com o Festival o Encontro da Crítica na tarde de ontem. Foi-se o tempo em que crítico de cinema era aquele que escrevia nos jornais. Hoje os críticos, além de escreverem para portais na internet, editarem os próprios sites e produzirem para mídias sonoras e audiovisuais, também desempenham relevante papel curatorial.
O tema da mesa foi a relação da crítica com os festivais de cinema nos aspectos de cobertura jornalística, curadoria e júris de crítica. A ideia do crítico como orientador do gosto, que está na gênese de seu surgimento nas cidades que se expandem no século 18, parece ainda mais importante nos tempos atuais saturados de informação. O crítico-curador não é propriamente uma novidade. P. F. Gastal, nome fundamental na história da crítica do Rio Grande do Sul e do Brasil, foi figura importante na consolidação do Festival de Cinema proposto por empreendedores pioneiros da cidade de Gramado.
Convidado para o júri da primeira edição, em 1973, Gastal fez a diferença ao assumir, junto com os críticos gaúchos, a seleção dos filmes. Essa tarefa foi, ano após ano, feita com dedicação quando a palavra curadoria ainda não designava, de modo pomposo, uma atividade de seleção remunerada. Os filmes, na era da película, eram trazidos a Porto Alegre e exibidos em sessões especiais, quase sempre no auditório da Assembléia Legislativa, para Hélio Nascimento, Goida, Tuio Becker, Luiz Cesar Cozzatti e Ivo Egon Stigger, apenas para citar alguns nomes desta história que deve ser lembrada.
Hoje o jornalista associado da Accirs Marcos Santuário, crítico do Correio do Povo repõe a tradição depois do interregno entre 2006 e 2010 em que foram chamados para a tarefa os cariocas José Carlos Avellar e Sérgio Sanz. Nada contra a reconhecida competência, Avellar tem uma trajetória das mais inspiradoras para quem se pretende crítico de cinema. Acontece que temos por aqui a chamada “massa crítica” para realizar esse que é um dos mais desafiantes trabalhos do crítico.
Em relação ao Festival de Gamado uma das iniciativas da Accirs, de imediato acolhida, foi a organização do júri da crítica. A função deste prêmio cuja história remonta a criação da Federação Internacional de Críticos de Cinema, Fipresci, nos anos 30 na Bélgica, é distinguir aspectos de originalidade e criação artística, sendo comum resultados muitas vezes bem diferentes dos júris oficiais.
Em Gramado, como acontecia em outros festivais, os críticos presentes se reuniam e indicavam seus preferidos. O chamamento era feito pelos cariocas que tinham a única associação instituída. Era um processo bem informal e nada assegurava que os votantes tivessem visto todos os filmes em competição. Ao assumir a coordenação a Accirs assegura o aval para que tenha ressonância cultural.
O exemplo dos gaúchos estimulou o surgimento da Associação Brasileira dos Críticos de Cinema, fundada em 2011 após reuniões nos Festivais de Cinema de Paulínia, Gramado e Brasília. A Associação do Rio de Janeiro, criada na metade dos anos 80, representava os críticos do país. A falácia de tomar o Rio pelo Brasil como um todo acontecia também em relação ao cinema. A Abraccine é a primeira entidade nacional a reunir os críticos de cinema de todas as regiões do país.
Houve uma tentativa anterior
A vontade de uma Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul vem dos anos 60, da época marcada pela “revolução jovem” que se fez sentir também em Porto Alegre. Jovens do cineclubismo e da cinefilia porto-alegrense vivida nas salas exibidoras, nos espaços culturais e cafés da cidade ocuparam também a imprensa e chegaram a constituir, em 1965, uma entidade presidida por Jefferson Barros e Hélio Nascimento. O gesto não foi além da fundação. Foram necessárias cinco décadas para comemorar uma consolidação, mas daí a partir de outra história, que começou em março de 2008.
É possível que não fosse necessária na época e há dúvidas que seja necessária hoje. Afinal, ter atitude crítica é recomendado para qualquer pessoa disposta ao saudável exercício do pensamento por si mesmo. A vantagem de uma associação de críticos é a possibilidade de união de forças para ações mais ousadas e abrangentes. A Accirs, antes de tudo, congrega. Se, na sua origem, a crítica cinematográfica se desenvolveu nos jornais e era função de jornalista, hoje é exercida por pessoas de formações diversas cujo interesse pelo cinema é um anseio de expressão crítica. São 41 associados, de todo o Estado, que se identificam pelo amor ao cinema e, como Goida faz sempre questão de nos relembrar, dispostos a “trabalhar para a promoção do cinema”, máxima que Gastal repetia e que mantemos viva.
É o que tem acontecido nos últimos 10 anos. Uma das primeiras iniciativas da Accirs foi promover o seminário O Estado da Crítica, que vai se repetir no começo de 2019, para examinar a atividade nas configurações profissionais do momento atual. Enquanto simples expressão de opinião um blog pessoal pode ter tanto valor quanto o site de um crítico, a mudança acontece quando a opinião é um meio de profissionalização. O cinema se expandiu, o audiovisual é um vasto campo que envolve distribuição, assessorias de imprensa, redes exibidoras que disputam espaço e atenção. O crítico ainda faz aquilo que André Bazin considerava uma de suas funções: aumentar o prazer de ver o filme. Acrescentamos que pode, também, ampliar para o espectador o conhecimento sobre o cinema e suas múltiplas variações.
Seguindo na linha de debates, para comemorar os 10 anos, está sendo lançada a Sessão Accirs, ciclo de exibições comentadas com periodicidade bimestral e itinerância pelo circuito exibidor do Estado. O projeto inicia em setembro com uma seleção de filmes que estabelecem olhares ao próprio cinema, refletindo sobre as possibilidades de linguagem e conteúdo. O filme de abertura é O Espelho, segundo longa-metragem de Jafar Panahi, um dos mais emblemáticos diretores do cinema iraniano dos anos 1990. Será na Sala Redenção, no dia 04 de setembro, às 19h, com comentários da crítica Ivonete Pinto e mediação do programador do projeto, Leonardo Bomfim.
Entre as ações da Accirs, que anualmente tem escolhido os melhores títulos do cinema brasileiro e internacional, está o Prêmio Destaque Gaúcho, que leva o nome do crítico Luiz Cesar Cozzatti, falecido em fevereiro de 2006. É uma forma de atuar no contexto do qual fazemos parte. O último foi para o Programa de Alfabetização Audiovisual, que em 2018 também completa 10 anos, e é realizado pela equipe da Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia, da Secretaria Municipal de Cultura junto com a UFRGS. O trabalho deles é aproximar o cinema e as crianças com um viés educativo e reflexivo. É um trabalho pelo cinema e pela cidadania.
O que esperamos, enquanto entidade associativa, é também desempenhar um papel social e cultural que tenha significado. Ainda que a origem desta “profissão” seja um prazer egoísta. Lembro do meu amigo Tuio Becker – trabalhamos juntos aqui no Correio do Povo nos anos 80, que dizia ter inventado para si a profissão de crítico apenas para ter uma desculpa de ver filmes. Tuio faleceu em maio de 2008, não teve tempo de participar da Accirs. Seria um apoiador entusiasmado.
Artigo publicado no jornal Correio do Povo em 25 de agosto de 2018.