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Adeus, Ennio Morricone
06/07/2020
Ele foi o mais genial dos compositores de trilhas de filmes. Ennio Morricone morre aos 91 anos e nos deixa o legado de uma arte em tudo superlativa. Durante 15 anos suas músicas foram das mais tocadas em meu programa Filmes e Trilhas na Rádio da Universidade não apenas por admiração, mas porque Morricone formou junto com Nino Rota e Armando Trovajoli o triuvirato italiano que impôs distinção à música para o cinema.
Morricone compôs mais de 500 trilhas, era maestro e regente de grande orquestra e se impôs no imaginário dos cinéfilos a partir da parceria com Sérgio Leone que o projetou já no início da carreira, nos anos 60. Eles fizeram juntos a chamada trilogia dos dólares cujo primeiro filme Por um punhado de dólares (1964) definiu o revisionismo que o western spaghetti faria do gênero clássico do cinema americano. O estilo de Leone de distender o tempo narrativo e contrapor planos amplos e abertos a planos fechados de detalhes e do rosto dos atores encontrou uma sintonia perfeita na música do compositor. São momentos sublimes o tema da harmônica que Morricone compôs – profundo e dilacerante – para o personagem de Charles Bronson em Era uma vez no oeste (1968) assim como a orquestrada massa sonora com coro que acompanha o final em que a câmera se afasta e mostra Cláudia Cardinale e os trabalhadores da estrada de ferro que avança. Há uma mistura de elementos épicos com notas de melancolia que fazem de Once upon a time in the west uma das faixas musicais mais populares e conhecidas da história do cinema. Não bastasse toda essa beleza, Morricone ainda criou para o amigo e parceiro o tema de Era uma vez na América que em 1984 encerrou uma espécie de trilogia que Leone havia iniciado nos anos 60.
Morricone foi um artista notável cujo talento foi reconhecido e festejado. Diversas vezes foi indicado ao Oscar, a primeira em 1979 pela música de Cinzas no paraíso, de Terence Malik e a segunda por aquela que considero uma de suas mais belas trilhas, do drama histórico A Missão (1986) sobre as missões jesuíticas na América do Sul no século 17. Filmado nas cataratas do Iguaçu, tem imagens belíssimas que entram na trama como metáfora. As missões estão situadas no cume de uma escarpa, lugar difícil de chegar, cuja escalada significa também ascender deixando para trás as coisas terrenas e supérfluas. Essa é a intenção do personagem de Roberto de Niro, homem violento transformado pela conversão ao cristianismo que acompanha o padre vivido por Jeremy Irons, um idealista cuja fé é cega a violência catequética imposta aos índios. A abordagem do diretor inglês Roland Joffé é grandiosa. Enfrentando as dificuldades de uma locação no meio da selva, o diretor faz uma espécie de parábola sobre o bem e o mal que Ennio Morricone traduz de maneira admirável. Sua música expressa os embates do confronto da fé desses homens com os interesses do poder papal e do governo de Espanha nos territórios indígenas.
Ennio Morricone nasceu em 10 de novembro de 1928 e morreu em 06 de julho de 2020, na cidade de Roma. De sua vida dedicada a arte deixa obras magníficas que nos elevam da banalidade cotidiana.
Maestro Morricone, obrigada!