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O declínio da cultura ocidental
28/01/2018
Allan David Bloom foi um professor de filosofia que entusiasmou gerações de alunos nas universidades de Yale, Cornell, Toronto, Paris e Chicago. Já tinha escrito sobre a política em Shakespeare, traduzido A República, de Platão, e Emílio, de Rousseau, quando lançou The closing of the American Mind, em 1987. O ataque ao sistema educacional norte-americano, que substituiu o ensino dos clássicos para acomodar as exigências do relativismo cultural, o transformou numa inesperada celebridade. Traduzido para várias línguas, no Brasil a obra ganhou o título O declínio da cultura ocidental (Best Seller, 1989). A argumentação consistente de Bloom ajuda a elucidar os tempos atuais.
O livro é um ensaio de filosofia política, escrito em linguagem envolvente, no qual Bloom ataca a degradação do ensino como consequência da flexibilização das exigências na educação. Reflete com base em sua vivência como professor, atividade que exerceu com paixão por mais de 30 anos, inspirado pela convicção de ajudar os alunos a desenvolverem a plenitude de sua natureza humana, contra todas as forças deformadoras das convenções e dos preconceitos. Rejeitava as respostas fáceis da virada cultural dos anos 60, trazendo para a arena de debate pensadores que tinha como mestres, de Sócrates a Rousseau, passando por Montesquieu e, claro, Platão. Era esse o conteúdo de suas aulas, que reuniu no livro dividido em três partes: Os estudantes, O Nihilismo e A Universidade.
A crítica central de Bloom é relativa ao culturalismo que substituiu o ensino canônico. Defendia a leitura de bons livros como uma maneira de enfrentar a mais fatal tendência humana: a de crer que tudo o que existe é o aqui e o agora. Compara o ensino na Europa e nos Estados Unidos examinando como se estruturam a partir das diferenças históricas: a Europa formada num sistema religioso e monárquico e os Estados Unidos a partir da noção de liberdade desde John Locke. Deste resgate da história e da observação do comportamento jovem nos anos 60, analisa o egocentrismo, passando pela liberação sexual, o divórcio, o isolamento, o feminismo, o racismo e outros aspectos da vida que se configurou após a Segunda Guerra. Passa de um assunto a outro numa escrita que expressa um pensamento vivo, um humor irônico, mordaz e inteligente.
Aborda a oposição entre natureza e sociedade que domina toda a discussão moderna sobre o problema humano, desde Thomas Hobbes, com ênfase pelas ideias de Rousseau, do qual era admirador. A visão romântica de Bloom o leva à crítica do niilismo nietzsniano, no qual via um estágio perigoso, mas necessário e talvez salutar da história humana. Com ele o homem se defronta com sua verdadeira situação, que tanto pode esmagá-lo como reduzi-lo ao desespero e ao suicídio espiritual ou físico. Apesar disso, diz Bloom, esse niilismo pode igualmente inspirar a reconstrução de um mundo com sentido. Aponta a influência de Nietzsche em Freud, mas especialmente em Max Weber, cuja teoria social da ética protestante penetra fortemente nos Estados Unidos.
Bloom se manifesta sobre vários assuntos, ataca o corporativismo acadêmico, a perda de independência da universidade e do espaço das humanidades frente às ciências e o ensino técnico. Foi taxado de conservador, odiado por seus pares da academia, mas teve a coragem de afirmar as perdas que acompanham as transformações da humanidade no jogo permanente de forças entre os grupos sociais. Melhor ainda, mostra o percurso de ideias que nos trouxeram até os tempos atuais. O declínio da cultural ocidental não faz ataques vazios e arbitrários. Bloom elogia a honestidade do pensamento, cobra a seriedade dos argumentos num mundo que flexibiliza a verdade em prol dos interesses de ocasião.
A amizade e o retrato
Nascido em Indianápolis, Bloom tinha 62 anos quando morreu em 17 de outubro de 1992 em decorrência de problemas da aids. A figura paradoxal e exuberante que foi está representada em Abe Ravelstein, personagem criado por Saul Bellow, um dos grandes escritores contemporâneos, ganhador do Nobel em 1976. Foi o último livro do autor falecido em 2005, escrito já aos 80 anos. A biografia foi um pedido, enfatizado pelo fato de só esse amigo ter as condições necessários para tal tarefa. O título Ravelstein (Rocco, 2001) faz supor que o personagem é o centro da narrativa que está mais para ensaio do que romance. É um relato intenso e verdadeiro sobre amizade e confiança. Bloom e Bellow foram amigos muito próximos e queridos e a natureza dessa relação é contada pelo narrador, Chick.
O humor e a ironia de O declínio da cultura ocidental também aparece em Ravelstein, em grande parte construído de diálogos entre o autor-narrador e seu protagonista. As tiradas de Bloom, que não poupa a si e a ninguém em nome da coerência, fazem parte do prazer da leitura de ambos os livros. De natureza alegre, Bloom cultivava a companhia, adorava e atraia pessoas, o que é enfatizado por Bellow. Era uma figura paradoxal, um conservador culto e homossexual que adorava fofocas e era atualizado por ex-alunos, então ocupando posições políticas importantes no Governo. Mesmo assim ensinava: “Junte-se às pessoas mais nobres que puder encontrar; leia os melhores livros; viva com os poderosos; mas aprenda a ser feliz sozinho.”
Bellow esteve junto de Bloom no longo período da doença que o levou à morte. Um dos temas de Ravelstein é o envelhecimento e a morte, o que levou o escritor a enfrentar a passagem do tempo em sua própria existência. Os homens vão e as ideias ficam e através delas continuamos esta conversa permanente em busca de sentidos.