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Yonlu expressa a angústia de uma adolescência sofrida
22/10/2018
Suicídio é assunto que os manuais clássicos de ética na imprensa sugerem que não seja tratado. A notícia sobre pessoas que tiram a própria vida induziria ao ato como se estivéssemos, sempre, à beira de um precipício, bastando um leve impulso para execução de gesto tão extremo. Pode ser assunto desaconselhado, mas dado o alto índice atual de suicídios não há dúvida que é tema sobre o qual necessitamos falar. Esse já é um dos méritos de Yonlu (2017), filme sobre o adolescente Vinícius Gageiro Marques, que se suicidou em 26 de julho de 2006, aos 16 anos, incentivado por integrantes em fórum de potenciais suicidas na internet.
O cineasta gaúcho Hique Montanari, em sua estreia da direção de longa-metragem, enfrentou com sucesso o desafio do tema difícil. Em lugar de buscar explicações ou justificativas, o filme se concentra na arte que Vinícius deixou. Com o nome artístico Yoñlu ele desenhou, escreveu poesias, letras de música, tocou violão e cantou as angústias que tinha em sua relação com o mundo. A obra que deixou tem ressonância e emociona milhares de jovens, fãs espalhados pelo mundo inteiro. Num hibridismo poético-experimental, o filme busca a expressão artística do adolescente que viveu a dor e as incertezas da idade com intensidade extrema.
Yoñlu era inteligente e cresceu num ambiente estável, estimulado pelos pais intelectuais. Morou em Paris dos 3 aos 7 anos de idade e falava várias línguas. Era sensível e sofria com uma angustiante depressão que o levava a fechar-se em si mesmo. Trancado em seu quarto, compôs mais de 60 canções, todas cantadas em inglês. O filme utiliza uma vibrante linguagem visual e sonora para recriar o que seria o mundo interior de Vinícius, interpretado pelo ator Thalles Cabral e, com isso, também se aproximar do público jovem que se identifica com Yoñlu. O mundo subjetivo do personagem é apresentado através das letras e da música que compôs, intercaladas por animações, num registro onírico que perpassa todo o filme.
Cenas de sua vida cotidiana, especialmente com os pais, são alternadas com o ambiente esverdeado da internet e cores vibrantes nos segmentos de fantasia – em ótimo trabalho de fotografia de Juarez Pavelak e direção de arte de Iara Noemi e Gilka Vargas. Uma solução criativa é a representação do sentimento de Yoñlu de estar fora do mundo como se ele fosse um astronauta, com dificuldade de se movimentar e respirar. A sensação que ele tinha de fragmentação diante da realidade é apresentada por meio do tratamento sonoro, das músicas que ele compôs e que alinhavam todo o filme.
Yonlu recebeu o Prêmio Abraccine de Melhor Filme Brasileiro na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2017. É um filme sobre um episódio doloroso e triste, acontecido muito próximo de todos nós que moramos em Porto Alegre e, por várias pessoas, vivido como uma tragédia. Montanari, aos 50 anos, depois de uma diversificada trajetória no audiovisual no Rio Grande do Sul, enfrentou com maturidade e coragem esse tema, fazendo um filme que, ao mesmo tempo obriga o debate sobre o suicídio na adolescência e presta homenagem ao rapaz sensível e angustiado que foi Vinícius.